Movimentos Sociais

NEAB Encrespar e a luta por uma educação antirracista em Sinop

Por Material fornecido pela equipe no NEAB Encrespar
21/11/2025

(Foto: ENCRESPAR)

Em celebração à data alusiva ao Dia da Consciência Negra (20 de novembro), o Núcleo de Estudos sobre Africanidades, Diáspora e Populações Negras – NEAB ENCRESPAR, da UNEMAT, campus de Sinop, nos convida a refletir sobre a luta histórica dos povos negros desde a diáspora africana.

Nesse sentido, a professora e pesquisadora Claudia Miranda da Silva Moura Franco, membro do NEAB Encrespar e do Coletivo Negras Mato-Grossenses, nos faz um convite a refletirmos sobre o 20 de novembro:

Sobre pontos de partida

O vinte de novembro é uma data representativa, porque nos convoca a lembrar um homem que morreu lutando pela liberdade, e não apenas a sua, mas a liberdade como horizonte coletivo. Quando arrancaram a cabeça de Zumbi, imaginaram que a morte daria conta de apagar o símbolo; ignoravam que sangue derramado, quando é sangue de luta, germina. Na terra marcada por sua execução, nasceram sementes, sementes de memória, de insubmissão, de consciência.

E é justamente desse lugar, o da consciência, que tantas trajetórias negras se refazem. Nem sempre por caminhos tranquilos; quase sempre por rupturas, dores e confrontos. O que nos faz ter a certeza de que não somos uma unidade social pacífica, muito menos conscientemente democrática. Os desafios que permeiam a Raça e o Gênero nesse país nos fazem estremecer diante de fatos e dados que contradizem o mito da democracia racial.

 É preciso assumir um lado, uma narrativa, enxergar uma história coletiva, invisibilizada pela falácia da pacífica sociedade brasileira. Eu escolho um lado, escolho uma voz, pois a minha voz “ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome” (C. Evaristo). Assumir um lado da história requer coragem, coragem atravessada por dúvidas que sempre me cercearam, e tenho certeza que a muitos de vocês também:

 “você nem é tão escura”, “esses beiços que...”, “esses dentes tão...”, “tão morena”, “café com leite”. Sempre tão classificada, tão excepcional por ser, estar ou ocupar um espaço em que, para justificar o estar ali, é preciso aceitar a palidez do pardo, a insensatez de ter que escrever com letras encardidas, amareladas, sujas, minha história que nunca foi só minha, em papel alvo como escolheram ser.

A consciência negra, por muito tempo, viveu de luto, afinal o próprio 20 de novembro rememora isso. Mas a consciência negra, como capacidade viva de perceber e ser ciente de si mesmo, negro, dos próprios pensamentos, sentimentos e do ambiente ao redor em contexto de existência negra, requer coragem. E por que ainda é tão difícil o processo de autoafirmação de uma pessoa negra? Por que existe essa constante avalanche de ataques sobre assumir sua própria cor? Julgamentos povoam o universo, e do ser negro, que continua uma espécie de peregrinação pelo direito de assumir sua própria identidade. A construção da consciência negra é, por si só, uma atitude de reconhecimento, autoconhecimento e o valor da força da representatividade.

Existe uma trajetória para tornar-se negro, e ela é dolorosa, pois o conhecimento, como já afirmado pela filosofia, dói, desloca membros, quebra crenças, dogmas, quebra a camada com a qual nos camuflaram por tanto tempo. É aqui que ecoa Neusa Santos Souza, firme e delicada, quando afirma que “tornar-se negro é apropriar-se de uma identidade que a sociedade insiste em recusar”. É um processo de retorno: voltar-se para si, para a história do corpo, para as feridas deixadas no espelho, para as cicatrizes que ninguém vê, mas que moldam passos e silêncios. Tornar-se negro, diz Neusa, é romper com a armadilha de desejar a brancura como forma de sobrevivência. É negar o pacto narcísico que o mundo tenta nos impor. É, enfim, deixar de pedir permissão para existir.

E, quando entendemos essa travessia, compreendemos também que nossa história não se escreve apenas na tinta, mas na carne. É por isso que a escrevivência de Conceição Evaristo não é e nunca será somente um testemunho, é método, é denúncia, é grito e colo gerado para o povo negro, para acalentar a dor do silenciamento. Ela nos lembra que nossa voz, nossos escritos “não são para adorno, são para incomodar”, e talvez seja exatamente por isso que tantos tentam neutralizar o poder da palavra negra. A escrevivência não se limita a narrar o vivido; ela entorta o arquivo, reposiciona os papéis, olha nos olhos do leitor e diz: eu sobrevivi, apesar de tudo.

Escrever-se negra, afirmar-se negra, é inscrever no mundo aquilo que constantemente tentam apagar: a experiência cotidiana do racismo, o gesto ancestral de continuar viva, o traço grosso dos lábios que falam de afeto que tecem redes de resistência. É perceber que cada linha escrita é também uma forma de insurgência, uma recusa à narrativa única que nos confinou em papéis secundários.

E, ainda assim, há algo de profundamente inaugural nesse processo. A consciência negra é uma espécie de parto tardio: nasce-se de novo, mais de uma vez, sempre que entendemos que nossa cor não é fadado destino, é potência que se ergue na poesia das vielas, das cozinhas, das mães pretas que ensinaram a transformar dor em nuvem de algodão doce.

Ser negro, nesse país que insiste em sussurrar o contrário, é uma arte de resistência cotidiana. É construir-se sobre ruínas impostas, recolher fragmentos de si espalhados por uma história que tentou nos roubar do espelho. É aprender que toda identidade é travessia, mas para nós, uma travessia feita em terreno movediço, entre abismos e sonhos, entre apagamentos e reinvenções.

E talvez seja exatamente nesse ponto de partida, o da consciência, que reside nossa força. Porque, antes de qualquer bandeira, de qualquer slogan, de qualquer mês comemorativo, existe o gesto íntimo de dizer: Eu sou porque nós somos. Tantas mãos negras que, mesmo silenciadas, souberam conduzir nossa memória até aqui.

O vinte de novembro é, também, sobre aqueles que aprendem que ser negro é abrir portas, mesmo quando rangem, mesmo trancadas há séculos. É sobre compreender que a consciência negra não nasce pronta: ela é construída no gesto de se levantar e dizer eu sou, e, ao dizer, torna-se inteiro.

Por Claudia Miranda da Silva Moura Franco (2025)

O NEAB ENCRESPAR, em sua maioria, é constituído por professores e estudantes dos cursos de Licenciatura em Pedagogia e Letras, profissionais técnicos da UNEMAT/Sinop e professores da rede pública de ensino estadual e municipal. Desde sua institucionalização, por meio da Portaria 248066/2021, realiza ações de ensino e extensão voltadas ao público interno e externo da UNEMAT. Suas ações retomam a discussão sobre a educação antirracista, a aplicação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 e o combate ao racismo e ao preconceito. As ações são desenvolvidas a partir de formações, cursos, eventos, oficinas e palestras voltadas a estudantes e professores, desde a Educação Básica até o Ensino Superior.

No ano de 2025, o NEAB Encrespar dedicou-se ao diálogo e ao fortalecimento da relação entre universidade e comunidade. Como principais ações, podemos destacar algumas realizadas na universidade e em outras instituições:

Formação “Diálogos sobre a implementação da Lei 10.639/03 na prática docente” na EMEB Professora Marizete Weber

Formação “Letramento racial: como ser um educador antirracista? Na EMEI Pequeno Príncipe

Palestra “As contribuições da cultura africana no Brasil” na EMEB Alcídia Divanir Simões Sales Pavan

Palestra “Aprendendo a transgredir: educação como prática de liberdade” no Evento Semana da Consciência Negra na ETEC

Capacitação da Prefeitura de Sinop “Equidade étnico-racial: direitos dos povos indígenas, interseccionalidade de gênero e racismo institucional” – Palestra “Interseccionalidade de gênero e o racismo institucional no contexto mato-grossense”

Curso de extensão “Diálogos Sobre As Religiões De Matriz Africana” 

Palestra “Educação das relações étnico-raciais: como ser um educador antirracista?” no Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação Ambiental, Diversidade e Ensino (GEPEEADEn)

Participação na Semana de Extensão da UNEMAT/Sinop – Feira de Profissões

Também foram realizados cursos, oficinas e formações nas instituições EMEB Monteiro Lobato, EMEB Sadao Watanabe e EMEI Tempo de Infância com a temática “Como ser um educador antirracista”.

Essas ações reforçam o compromisso do NEAB ENCRESPAR com a luta antirracista, o combate ao racismo e preconceito e a valorização da história e cultura afro-brasileira e africana. Para o ano de 2026 o NEAB tem como proposta a realização de um evento específico sobre a temática étnico-racial na UNEMAT campus de Sinop.


Assessoria de Comunicação - Unemat

Contato:
imprensa@unemat.br

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